sábado, 31 de outubro de 2009

S.E.L. (Síndrome do Ex-Loser)

A Síndrome do Ex-Loser é muito mais prosaica do que alguns podem imaginar. O típico perfil psicológico dos seres acometidos pela doença é bem clichê.

Ele era uma criança ou adolescente fora dos padrões físicos europeus. Era tímido, gostava de atividades intelectuais e não era o melhor atacante do time de futebol. Usava aparelho e as roupas nunca lhe caíam bem (ou não sabia escolhê-las).
Na puberdade, as meninas nunca faziam festa para ele. Nas festinhas, ficava no canto do salão com seu grupo de amigos conversando sobre a campanha de RPG.
Eis que algum evento inusitado ocorre em sua vida e ele se dá conta de que o que quer mesmo é fazer parte da galera descolada que faz sucesso na cidade. Quer frequentar os shows de forró e ser disputado para dançar. Quer poder escolher entre as garotas disponíveis daquele grupo que conheceu na viagem, e não ficar com a única que sobrou.
A idade também ajuda: agora sua voz não oscila mais. Seus ombros estão mais largos e o remédio para espinhas finalmente fez efeito. Ele se matricula numa academia e começa a prestar atenção nas roupas que a "galera" descolada gosta de usar. Adicione isso ao fato de ter conseguido passar logo no vestibular, em curso badalado. Pronto! Ele já é um Ex-Loser!
A próxima etapa é sair pelo mundo como um rolo compressor, sem se importar com os problemas e sentimentos alheios. Punindo todos aqueles que não têm nada com o fato de sua vida, até então, ter sido um depósito de frustrações.


O problema dessa categoria de gente é o mesmo dos adultos em relação às crianças: eles esquecem que já foram pequenos um dia. Assim, passam a recriminar as atitudes infantis sem ao menos dar uma paradinha para refletir. Há quem diga que quando nos tornamos adultos é que ficamos idiotas. Eu digo o mesmo com os Ex-Losers.

Clá há tempos me indica um livro de Martin Page chamado "Como me tornei estúpido". Tenho a leve impressão de que ficarei viciada quando começar a ler, por isso não o fiz ainda. A linguística me consome.
Tornar-se estúpido é justo o procedimento de um Ex-Loser. Ele abandona tudo o que tinha de bom - a maneira peculiar de ver o mundo, os gostos peculiares, os amigos estranhos e engraçados - e passa a fazer parte de um mundo massificado, banal e desprezível. Ele passa a ser mais um.
Todo mundo quer ser incluído, se identificar. O problema é que alguns não conhecem limites para isso, tomando uma decisão quase sempre sem volta.

É engraçado como às vezes é fácil reconhecer o tipo Ex-Loser. É quase possível enxergar nele os vestígios de alguém realmente diferente e decente, mas ele não deixa a coisa transparecer por muito tempo, enterrando o seu ex-eu com uma boa camada de idiotice.

De acordo com dados experienciais e empíricos, eu daria o seguinte conselho para alguém que conhece gente assim e tem esperanças de resgatar o ser humano decente contido ali:

Se somente você enxerga uma pessoa e todos os outros não a veem, há somente duas hipóteses. Primeira: você tem esquizofrenia. Segunda: a pessoa não existe. (A segunda não exclui a primeira, ratifica).
Aprendi em psicologia que a realidade deve ser atestada por mais de uma testemunha para ser reconhecida oficialmente como tal.


Se só você consegue ver as valiosas e remanescentes qualidades especiais contidas naquele Ex-Loser, talvez elas não estejam mesmo mais lá. Talvez elas estejam apenas em você. Um original Loser, eterno e incurável (que bom).

E lembre-se: só Jesus salva. Não queira ser Jesus, ele só levou revés.

Beijos.

Aprés

Ouça um bom conselho
Eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa




Ela olha de lado, a cara amassada, os poros molhados, olhos dilatados.

Ele ri.

- Meu Deus, eu te amo tanto que parece que vou morrer. Estou sufocada.

Ele ri, dá um beijo em sua testa e dorme. Tranquilamente.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Ás às as

Alertaram!
Teu sentimento:
irmão de mármores
e amigo de ventos

E lá se perdeu
a borboleta
recém-nascida do meu casulo

E me perguntaram:
- Já não sabes mais voar?

Minhas asas
perdidas por lá

Passeiam sílfides
livres de mim
e eu estática
era tática do teu frio
duro, exato, vazio

Prossegue a procura
no escuro da tua caverna
escura

Cabra-cega

Onde não há Ariádnes
por onde Pandora espalhou
seu labirinto de males
Onde ficou perdido o detido
o batido das minhas asas esquecido

as asas que ganhei de presente de ti
as minhas asas
as que nunca mais eu vi.

sábado, 24 de outubro de 2009

Doçuras ou travessuras?

Ultimamente, tenho tido uma relação estranha com os doces. Nunca fui do tipo apaixonada pelos baloartes da glicose: sempre preferia um bom salgado a uma fatia de bolo. Não sei a partir de quando, mas essas coisinhas nocivas se tornaram meus objetos de amor e ódio; ou seja, de amor.

Resistir a uma fatia da torta preferida ou a uma tacinha do sorvete no congelador parece algo cada vez mais impraticável. E aquele pudim da vitrine do restaurante da universidade? (Ao menos a esse ainda tenho resistido).

Essa semana, na fila do caixa do restaurante, ao lado da vitrine dos doces, me lembraram de um texto que eu havia escrito, falando do pudim. Sobre o quanto era difícil a gente olhar aquele doce tão lindo, brilhante, e ter que dizer "não, obrigada"; mesmo sabendo que ele é delicioso e está totalmente disponível para o consumo. Eu escrevi aquilo para falar dos pudins, mas antes disso eu queria falar sobre o quanto é difícil tomar a decisão de não fazer algo que se quer, de que se gosta e que faz momentaneamente bem, como é o prazer de degustar um doce bom.

Os doces são assim como o amor. Eles trazem em sua essência essa ambiguidade angustiante da convivência entre prazer e nocividade. Assim como o amor, deve-se aprender a consumir doces na frequência e quantidade certas.

Mas, afinal, quando isso finalmente acontece?

Moody's vibes

- Ela parece confusa sobre se você e a mãe dela ainda estão juntos ou não.

- E não estamos todos?

- Ah, bem, é uma pena. Eu adoraria te arranjar alguém, um dia desses.

- Ah, eu agradeço a intenção, mas isso é uma causa perdida.

- Ah, é? Por quê?

- Bem, é meio que a minha punição, sabe? Jantar, bebidas, Deus sabe mais o quê. Mesmo não estando muito interessado, acabo dizendo o quão bonita ela é. Porque é a verdade. Todas as mulheres são, de uma forma ou de outra. Sempre tem alguma coisa em cada uma de vocês. Um sorriso, uma curva, um segredo. Vocês, senhoritas, são de fato as criaturas mais incríveis. O trabalho da minha vida. Mas aí chega a manhã seguinte. A ressaca. E o pensamento de que eu não estou tão disponível quanto eu achava que estava na noite anterior. E aí ela se vai. E aí eu sou assombrado por outro caminho não percorrido.

- Nossa, estou impressionada. Você parou com a palhaçada por um momento e falou algo de verdade.

- Eu faço isso, às vezes. Mas nunca tem como saber quando. Tem que prestar atenção.



______________


Quantos Hanks você conhece que fazem, mas não dizem, isso? Quanto os caminhos não percorridos o assombram?

Sabe... o melhor presente que o nosso discurso pode ganhar é o discurso de outrem.
Em algumas línguas, os substantivos fazem declinações de acordo com o tempo e com a sintaxe.

Só uma língua dessas poderia traduzir hoje o que eu estou sentindo: Ai, que saudade de mim no passado.

domingo, 18 de outubro de 2009

Se escreveu, não remeta

Por muito tempo achei que a ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje não a lastimo. Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.

(C.D.A.)



Era uma vez uma garota que sentia saudades. Ela escrevia cartas para as pessoas, contava o seu dia, como tinha sido o último fim de semana e também falava as últimas notícias de sua vida. Pedia opinião, fazia piadinhas, lembrava momentos e até ria. Até parecia que a outra pessoa estava lá, perto dela. Depois, não remetia. E assim tudo se resolvia.


Fim


Os sentimentos de cada um são somente problema dele mesmo. Resolva os seus sozinho e faça o mínimo de barulho possível. E, se possível, quando sair, apague a luz.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Professora

Algumas pessoas falaram comigo hoje para me parabenizar pelo dia do professor. Para algumas eu disse: - Não sei bem se devo receber parabéns ou me alegrar por isso, mas muito obrigada, fico feliz com a sua delicadeza e atenção.

Como tenho mania de dicionários e como minha orientadora já publicou pesquisa sobre os gêneros nos verbetes de dicionários, está aqui o significado de professor e professora, segundo o Houaiss (que se lê "Uaiss" e não "Rauaiss"):

professor

substantivo masculino
1 aquele que professa uma crença, uma religião
2 aquele que ensina, ministra aulas (em escola, colégio, universidade, curso ou particularmente); mestre
Exs.: p. de matemática
p. de violão
p. adjunto
3 Derivação: sentido figurado.
indivíduo muito versado ou perito em (alguma coisa)

n adjetivo
4 que professa; profitente





Então, assim deve ser excelente ser professor. Então, estou feliz.



professora

substantivo feminino
1 mulher que ensina ou exerce o professorado
2 Regionalismo: Nordeste do Brasil. Uso: informal.
prostituta com quem adolescentes se iniciam na vida sexual


Como professora e nordestina, agradeço novamente a vocês e aos dicionários.
Que vida feliz.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Intermitência contínua

No peito, carrega iminências, intermitências, insistências.

Daquela, as possibilidades sempre quase em potências de mil, périplo ao redor do colchão. Viagem ao centro da cama.
Destas, a latência de um latejar: dor de dente e otite. Que passa e perpassa em intervalos temporais aleatórios, num minuto vago entre um riso e a companhia daqueles que apontam para um futuro bom.

E essa sensação de que o mundo dá voltas, as palavras dão voltas (wor(l)d gets around - e o inglês competente). E este arredondamento leva sempre ao centro de um dêitico aspiral que termina sempre no mesmo lugar: aí; ali; lá.
Onde tudo era impossível: só eu possível.



segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Inteligência e Felicidade Feminina

Já disse que a felicidade se põe num gráfico relativo à inteligência em uma posição inversamente proporcional. A questão da consciência faz do ser humano um pouco mais angustiado do que deveria com as coisas sobre as quais normalmente não tem poder algum.
Prova disso é o alto índice de suicídios de pessoas de filosofia (totalmente embasado este argumento, hein?). Sem brinks, o fato é que quanto mais temos consciência sobre o labirinto em que estamos imersos, é mais difícil ter esperanças e ser otimistas diante da História e dos fatos presentes. A caixinha de Pandora se abre para aqueles que são capazes de ver (e sentir, principalmente) um pouco mais além. É quase insuportável: então, você finge que nunca viu nem nunca abriu a caixa e segue em frente, se enganando e tomando sombra e sal.

Longe desta que vos fala se considerar o ápice da inteligência feminina, quando ela mesma conhece figuras como Hilst e Lispector que a colocariam num abismo obscuro se a comparassem com elas. Jamais. Mas se há a certeza de que existem mulheres muito mais inteligentes e fantásticas do que eu, há também a de que há ainda mais criaturas deprimentes. Fico com uma frase de twitter de Millôr Fernandes: "De uma coisa estou certo: sou bem pior do que os melhores – mas um pouquinho melhor que os piores".

Observando as histórias de vida das divas que mais amo, há uma constante. Nenhuma delas teve uma vida normal, no padrão social de felicidade. Nenhuma delas foi linearmente feliz no amor: desastres totais.
Hilda se apaixonou por figuras diversas. Uns viraram personagens de poesias, como o Dionísio da Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé. Outros foram figuras famosíssimas, como Marlon Brando, este a quem ela não conseguiu seduzir. No fim de tudo, fica a pergunta: Hilda foi feliz no amor? Como saber?

Leminski tem um poemeto muito bonitinho e verdadeiro que diz:


Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.


Pelas rimas dela, vejo que jamais poderia ela ter sido feliz no amor, porque o "ouro de dentro" de que tanto falava não poderia permitir. Esse ouro era ela mesma, era essa sede dela pela vida, pelo conhecimento, pela busca de respostas.
Assim foi também com Clarice, que se definia como uma grande pergunta. Alguém que se pergunta tanto só pode passar a vida toda sozinha, porque não se podem encontrar respostas em ninguém.


Um amigo meu me disse que era muito bom conversar com mulher inteligente. Um dia, tempos atrás, eu e ele passamos um tempo grande conversando no MSN sobre dialética, sofismas e um punhado de assunto que ia se empilhando e dando voltas em outros. A conversa era bem interessante e exercitava os miolos de ambos. Trazia contribuição para a vida dos dois.
Ele disse que no mesmo dia tentou puxar o mesmo assunto na janela ao lado com uma ex-namorada dele, e ela simplesmente desconversou dizendo "lá vem você com essas conversas complicadas". Riu e o diálogo parou por ali nas primeiras frases.
Eu conheço de vista essa menina, e ela anda sempre feliz nos corredores, parece bem satisfeita. Ou seria só o verdume do muro ao lado?

Ainda não consegui achar vantagens em ser inteligente (ou um pouquinho melhor do que as piores). Elogios? "Conversar com você é fantástico!". E daí?
As pessoas sedentas por respostas costumam exigir muito das outras, como exigem da vida e de si mesmas. As outras não suportam isso, ainda mais os homens.

As mulheres inteligentes estão fadadas ao fracasso?

E se colocarmos roupinha de ginástica e pintarmos os cabelos de louro? E se usarmos salto cor-de-rosa com calça apertadinha? E se rirmos das coisas idiotas que nos dizem? E se enchermos o álbum do orkut de autofotos no espelho, mostrar decote e fazer caras e bocas? Um brinde ao lirismo! Aurea mediocritas. Um beijo, Horácio (informe-se).

Meu novo Houaiss grandão (obrigada, bônus do Governo de PE) diz assim:

felicidade

n substantivo feminino
1 qualidade ou estado de feliz; estado de uma consciência plenamente satisfeita; satisfação, contentamento, bem-estar
2 boa fortuna; sorte
Ex.: para sua f., o ônibus atrasou, e ele pôde viajar
3 bom êxito; acerto, sucesso
Ex.: f. na escolha de uma profissão


Consciência plenamente satisfeita só se for inconsciência, neguinho.


SORTE! SORTE! SORTE! SORTE!

Felicidade é sorte. Inteligência não.


É só isso. Não tem mais jeito. Acabou. Boa SORTE!


Ósculos e Amplexos. De amigo.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Se o caso é chorar... *

Que seja sempre terra o que é celeste
E que terrestre não seja o que é só terra.





Se é pra chorar, que seja por Vinícius de Moraes, que te troca por outra em um mês, mas escreve isso pra te dar:

Soneto de Devoção

Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.

Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei os
Carinhos que nunca a outra daria.

Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.

Essa mulher é um mundo! - uma cadela
Talvez... - mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela.




Sendo assim essa mulher, o que importam as outras?

Mas que seja infinito enquanto dure.


(Na poesia é tudo mais bonito)




* Título roubado de Tom Zé