sábado, 26 de setembro de 2009

Vai: ser gauche na vida!



Hipótese


E se Deus é canhoto
e criou com a mão esquerda?
Isso explica, talvez, as coisas deste mundo.




Coisa boa de dar aula particular é que a gente aprende tudo por bem ou por mal. Há tempos, só vinha trabalhando redação e interpretação de texto com meu xodó particular, mas ele vem me dando tanto orgulho tirando nove em todas as redações, que achei por bem reforçar o conteúdo de literatura.

Aí vem aquela divisão didática ma-ra-vi-lho-sa (ironia, ok?) de fases modernistas. Segunda Fase do Modernismo: Poesia. Drummond, Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, Murilo Mendes e Jorge de Lima, estes dois últimos bem deixados para segundo plano injustamente. Políticas literárias.

Foram duas horas lendo poemas drummonianos para entender o lirismo dele, interpretar, cantar, amar. É sempre a última etapa do estudo de Drummond: uma vez tendo entendido, não há como não se apaixonar.

Não podia deixar de ler a poesia-chefe da fase chamada gauche do autor, o Poema das Sete Faces.

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

Expliquei a meu aluno o que significava a palavra gauche, em francês, e o que significava o seu significado em português. Aliás, ele agora quer estudar francês também.

Lembrando do gauchismo drummoniano, me lembro sempre dos grandes circunlóquios que eu costumava (voltei a costumar) ter com Márcio Rodrigues. Ele sempre dizia, no meio de uma ou outra conversa, o último verso desta primeira estrofe do poema: "Vai, Carlos! Ser gauche na vida".
Tentei explicar que esse sentimento de gauche podia ser entendido como um deslocamento do ser diante do mundo, diante do comum. E que por mais que se mudassem as pessoas, os bigodes, os óculos, as roupas, esse sentimento continuaria lá, dando ao sujeito a sensação de que jamais estará em sintonia com o fluxo natural das coisas, acordando, vivendo, dormindo, amando, esquecendo.


Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo,
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.


Não seria uma solução. Não tem solução.


Esse gauchismo se manifesta em certo grupo de amigos meus, de modo que sempre chegamos à conclusão que não fomos feitos pra esse mundo, mesmo se tentarmos ser Raimundos. De qualquer forma, preferimos gostar disso, ao menos algumas dores parecem ser compensadas pela consciência de que não somos mais apenas um grão de farinha deste saco de um quilo vendido a preço de banana (que está sendo vendida a quilo agora, hein?).
E daí? E daí? Somos diferentes, somos isso, somos aquilo, e daí?

Por mais que eu queira, ainda não consigo ver grandes vantagens em pensar. A consciência é dolorosa. A memória é dolorosa.

O que nos pode consolar é que, ao que parece, esse anjo torto aí não apareceu somente para Carlos. Ele veio para Rita, Márcio, Marconi, Rebeka, Marília, Rafael, Felipe, Clarissa, Mirela, Aline, Daniel, Victor (...). Ele veio e disse: Ser gauches na vida! E alguém tratou de acrescentar o termo "juntos" ao lado, numa tipografia bem pequena e misteriosa.

O gauchismo solitário é coisa pra quem não conhece as pessoas certas. Temos apenas duas mãos e o sentimento do mundo. Não, nosso coração não é maior que o mundo, é bem menor. Deve ser por isso que ele doi tanto quando a gente sente tudo o que a gente não queria sentir.

E vamos ser gauches juntos, ao menos. Teremos duas, quatro, oito, dez... mãos dadas.

Como disse meu aluno (orgulho) espertinho: e se fôssemos centopéias? E se as poesias todas tivessem mãos?



A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.

(...)

Tudo é possível, só eu impossível.

4 comentários:

milena disse...

Rita: o dom de me fazer chorar. Ok, eu tô de TPM e fico chorona mesmo. =P

Rafael Formiga disse...

Rita: o dom de me fazer pensar: Ok, eu sou gauche e faço isso quase sempre.


Quanto mais Drummond, mais Mally.

Lini disse...

Ok. Eu li a primeira citação e a carapuça serviu; eu li a segunda... eu li a terceira. Ó céus, pára.

;~

O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

disse...

Nem me atrevo a comentar do conteúdo.
Mas registro que minha ignorância diminuiu comparado a antes de ler o texto :D