segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Quixotesca

Sempre achei a escrita algo fascinante, desde a minha mais remota infância. Lembro que tudo envolvido nesse ato me interessava demais, inclusive os acessórios, supérfluos ou não. Papeis coloridos, canetinhas coloridas, pautas azuis ou pretas, papeis de carta, agendas... Em geral, esses materiais palpáveis eram indissociáveis do ato não somente da escrita, mas também da leitura. 
Esse gosto misterioso foi ganhando mais forma ano a ano, enquanto eu tomava forma de gente. Gostava das aulas de redação; e suspeito que muito mais pela oportunidade que tinha de preencher as atividades do livro e aquelas folhas de texto do que propriamente do estudo formal da coisa. Eu gostava mesmo era de fazer.
Hoje em dia, depois de uma graduação inteira, depois de ter passado por períodos de engodo agonizante da minha própria escrita, por ter que encará-la de forma racional e lúcida, depois de nunca mais ter a agenda livre, sem uma pendência de escrita sequer, me pego pensando sobre minha verdadeira relação com esse processo.
Ensino as pessoas a escreverem, acreditando no meu mais profundo que isso não é completamente possível. Estudo a escrita de modo quase religioso. Sim, porque o meu não saber atinge margens tão grandes que só posso continuar a fazer isso dependendo da minha fé cega, de um dia conseguir fazer uma afirmação categórica e completamente segura.

Escrever já foi para mim a fuga dos românticos, o gofo dos desesperados, os ensaios dos estudiosos...

Hoje, me pego aqui em frente a uma tela, sempre, sem nenhum papel colorido, sem rabiscos de versos em coletivos, sem canetinhas coloridas. Surpreendo-me a mim mesma sem saber o que é e o que escrever. Afinal, escrever é sempre quando se tem algo a dizer? Pois tantos já disseram por mim.

E passo os meus dias futuros apenas desaprendendo a escrever o que eu sempre achei que soube. Meus moinhos de vento erguem folhas de papel em branco e minha lança em forma de lápis nunca os alcança, como num quadro que eu vi.

2 comentários:

milena disse...

meu processo de escrita foi bem parecido com cartinhas, papéis, canetinhas e tudo o que mais se pode ter pra "completar aquilo que não se completa". escrever sempre foi pra mim uma coisa de vontade, de dentro e que, depois de velha, ter que escrever por obrigação me deixou um pouco triste. ainda bem que as vontades nunca deixaram de existir, vezes menos, vezes mais. no papel [que há muito não me aparece] ou na tela do computador. as letras continuam saindo e povoando algum espaço perto de mim.

Raquel Lasalvia disse...

Bravo! Bravo, minha amiga. E seguimos compartilhando essa dor que nos faz bem que é escrever.
E aproveito para dizer que tua pontuação tem um ritmo tão gostoso. hehehe. Busco aprender!

Nos vemos semana que vem, não é verdade? Faz prece para um bom voo. Ando tão ansiosa que não confio mais em airbus!