sábado, 16 de janeiro de 2010

E já chegou o carnaval?

Quem não se comunica, se trumbica; já diria Saussure.

Márcio Rodrigues

Minha carne é de carnaval, meu coração é igual

Novos Baianos


É uníssono o discurso daqueles que já conhecem o cíclico calendário brasileiro de festividades. No primeiro dia do ano, invadem logo as nossas casas, naqueles quadrados luminosos, as propagandas coloridas, chamando o povo de fora para o carnaval daqui. E o ano só começa mesmo depois do último dia da semana mais aguardada do ano.

E os comerciantes, ainda com seus pinheiros montados, enfeitados com algodão e bolinhas cintilantes, começam a trocar às pressas a decoração que nos lembra os cantos frios por lantejoulas, paetês, fantasias. Nas ruas do comércio popular recifense, em janeiro, já se pode enxergar e respirar nitidamente o espírito que contamina toda a cidade uma vez por ano: é carnaval! Para quem estava se guardando para quando o carnaval chegasse, como Chico outrora cantou (informe-se), o sentimento é de susto. - Já é a hora de sair?

Carnaval é quando se pode pecar sem pecado, é quando não há o amanhã de se trabalhar, é quando não existe a hora de dormir. Nunca se deve adoecer no carnaval, diz um dos mandamentos. Há também os sujeitos cheios de pânico de iniciar relações amorosas por essa época. Carnaval, para esses, é tempo de trocar saliva com ao menos metade da cidade, é tempo de por em xeque o poder de seus sistemas imunológicos.

As fantasias expostas nas vitrines assinalam os horizontes lúdicos que se abrem agora a essas velhas jovens crianças. Aquelas que não podem mais ser Pierrots nem Colombinas; se ocupam correndo muito para se fantasiar de médicos, professores, enfermeiros. Nos quatro dias amorais do ano, surgem diabinhos e anjinhos, personagens de desenhos animados - uns não tão animados, mas bastante sugestivos e intencionados.

As crianças exiladas de seus sonhos podem enfim brincar novamente. Durante quatro dias, subindo e descendo, bebendo, pulando, suando, os corações balbuciam  numa Babel perecível. Parece que, depois de tudo, as memórias são atacadas por síncopes coletivas e reiniciam suas atividades, fazendo desaparecer o que houver de ser esquecido. Para os que estão longe, o carnaval deve ser a dor. Eles não poderão ser, ao menos uma vez por ano, aqueles que realmente gostariam. E depois esquecer tudo.

Todas aquelas cores e enfeites nas lojas, que ninguém jamais usaria em condições diversas, são um pouquinho de coragem que se consigna para compor as verdadeiras máscaras de cada um. A fantasia, na verdade, é justo a face verdadeira de quem a veste. Porque, no carnaval, tudo é permitido. Até sair de si mesmo. O carnaval é o intervalo entre os dois grandes atos em que é dividido o drama da existência anual. Nesse ínterim, tudo é comédia e arte, Dellarte (informe-se).

Esperei em 2009 ansiosamente o intervalo de uma peça shakespeareana. Sófocles deu o ar da graça sem ser convidado, acabou-se o carnaval. Lá se foi minha chance de ser eu mesma, com os cem anos de perdão de quem rouba a felicidade e pode esquecer todos os males da humanidade. Uma vez por ano. Aprendi com isso a não esperar mais nada, nem o carnaval.



Então o carnaval me apareceu de supetão, invadiu meus olhos em forma de rua velha cheia em dia de semana, vitrines, fantasias; assonou a vida com os frevos dos carrinhos ilícitos. Lembrei-me que não usei de fato nenhuma das duas fantasias que fiz e comprei em 2009. Estão aqui, intactas, imexíveis, esperando a hora de mostrar minha máscara ao mundo.

Dessa vez, parece que a dançarina de cabaré vai dançar as polcas a que tem direito. E a Colombina vai sair por aí sem triângulos e Arlequim.
Como aprendi muito bem, eu nem espero mais. Também nem precisa, o carnaval já começou. E estamos nós aqui, fantasiados e cantando. Não me diga mais quem é você (informe-se).

Um comentário:

Lini disse...

E quem sabe um dia eu vá ao carnaval de Recife. =)