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quarta-feira, 4 de março de 2015
quinta-feira, 6 de março de 2014
Dia de Gabo
Dia 6 de março de 2014. 87 anos de Gabo.
"Então entraram no quarto de José Arcadio Buendía, sacudiram-no com toda a
força, gritaram-lhe ao ouvido, puseram um espelho diante das fossas nasais, mas não
puderam despertá-lo. Pouco depois, quando o carpinteiro tomava as medidas para o
ataúde, viram pela janela que estava caindo uma chuvinha de minúsculas flores
amarelas. Caíram por toda a noite sobre o povoado, numa tempestade silenciosa, e
cobriram os tetos e taparam as portas, e sufocaram os animais que dormiam ao relento.
Tantas flores caíram do céu que as ruas amanheceram atapetadas por uma colcha
compacta, e eles tiveram que abrir caminho com pás e ancinhos para que o enterro
pudesse passar."
terça-feira, 27 de agosto de 2013
Quase voar
Falando desse texto maravilhoso de Eliane Brum, que felizmente me caiu nas mãos esta semana, me veio como gofo uma memória presa e reprimida de infância.
Certa vez, eu brincava me pendurando em dois sofás de sala. Colocando uma mão em cada braço de sofá, eu levantava meu corpo, e balançava pra frente e pra trás, pra frente e pra trás... Outra hora eu ficava parada, com os pés no ar, me vendo voar.
E nesse dia, eu voei. Denotativamente. Eu me senti levitar. Eu podia jurar por qualquer parente que voei durante poucos segundos. Foi muito real.
A ideia de fabulação de que fala Mia Couto e que Eliane Brum cita me veio hoje, depois de tantos anos, pra repensar a minha experiência quase extracorpórea, à qual só tenho acesso pela memória, essa instância que é a mais fabuladora que pode existir.
Não importa se eu voei ou se eu voaria. Eu voei. Eu deixei a minha matéria, eu senti. E tudo que se sente é verdade, o que se fabula é verdade, é a nossa verdade.
Certa vez, eu brincava me pendurando em dois sofás de sala. Colocando uma mão em cada braço de sofá, eu levantava meu corpo, e balançava pra frente e pra trás, pra frente e pra trás... Outra hora eu ficava parada, com os pés no ar, me vendo voar.
E nesse dia, eu voei. Denotativamente. Eu me senti levitar. Eu podia jurar por qualquer parente que voei durante poucos segundos. Foi muito real.
A ideia de fabulação de que fala Mia Couto e que Eliane Brum cita me veio hoje, depois de tantos anos, pra repensar a minha experiência quase extracorpórea, à qual só tenho acesso pela memória, essa instância que é a mais fabuladora que pode existir.
Não importa se eu voei ou se eu voaria. Eu voei. Eu deixei a minha matéria, eu senti. E tudo que se sente é verdade, o que se fabula é verdade, é a nossa verdade.
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
Todas comemora?
14 de dezembro de 2011. O Santos ganha com o placar de 3x1
contra o Kashima Keysol e todos comemora no Facebook.
Calma. A Folha de São Paulo não pode escrever “todos
comemora”. A mídia de massa deve escrever a língua correta!
Foi contra o que muitos facebooquianos protestaram na página do
jornal na rede social hoje. O que mais me intriga é que a expressão todos comemora
bem como diversas outras compostas pela palavra todo(a)s, no plural, mais um
verbo conjugado no singular (todas dorme, todos grita etc.) são febre na rede
do Facebook, e quem as usa não o faz por não saber concordância verbal. A
expressão tornou-se uma gíria, ligada às
brincadeiras de linguagem com o uso na internet.
Heis que os mesmos jovens que disseminam essas expressões do
internetês atiram paus e pedras na Folha de São Paulo porque o veículo de
impressa aderiu à moda da linguagem, talvez para que os leitores se
reconhecessem na notícia, entrassem na brincadeira, uma vez que a rede social
proporciona ao leitor a possibilidade de INTERAÇÃO, o que a mídia monológica
jamais permitirá.
Vem à tona o purismo demagógico dos nossos queridos falantes
do português, que continuam desejando a língua como uma estátua congelada, mas
pouco percebem que eles mesmos mudam a língua o tempo todo. Mas a mídia deve
permanecer intacta dessas obstruções na língua, a mídia deve permanecer como
modelo de uma linguagem que eles mesmos não usam nas redes sociais.
O que parece é que todos comemora no facebook a vitória no
futebol, mas todos não se importa com a discussão sobre a mudança da língua e
as possibilidades que o suporte digital abre aos veículos midiáticos da linguagem,
como se o que devesse mudar fosse apenas o suporte. Que a ideologia
linguística permaneça a mesma. Mudam os modos mas não mudam os pensamentos.
Todas chora.
sábado, 29 de outubro de 2011
quinta-feira, 22 de setembro de 2011
O carteiro, o poeta e eu
Entre uma e outra obra sobre mudança linguística, significados, paradigmas e tudo o mais que é acadêmico, dia desses caiu sobre mim uma das obras mais singelas e profundas que já tive oportunidade de ver. Lirismo!
Ouvi falar do filme a primeira vez lendo um livro (Princípios básicos de Lexicologia, Ed. UFPE) da minha orientadora, Nelly Carvalho, cujo trecho reporto abaixo:
"O
belíssimo e premiado filme O Carteiro e o
Poeta (baseado no livro O Carteiro de
Pablo Neruda, de Antônio Skámeta) temos o seguinte diálogo entre Neruda – o
poeta – e Mário – o carteiro:
“-
O que tens?
-
Don Pablo?
-
Ficas aí parado como um poste.
Mário
torceu o pescoço e firmou os olhos do poeta de baixo a cima.
-
Cravado como uma lança?
-
Não, quieto como uma torre de xadrez.
-
Mais tranquilo que gato de porcelana.
Neruda
largou a maçaneta do portão e acariciou o queixo.
-
Mário Jinenes, além das Odes Elementares, tenho livros muito melhores. É
indigno que me submetas a todo tipo de comparação e metáforas.
-
D. Pablo?
-
Metáforas, homem!
-
Que coisas são essas?
-
Para te esclarecer mais ou menos imprecisamente, são maneiras de dizer uma
coisa comparando-as a outra.
-
Dê-me um exemplo.
-
Neruda olhou para o relógio e suspirou.
-
Bem, quando tu dizes que o céu está a chorar, o que é que queres dizer?
-
Que fácil! Que está a chover, pois.
-
Bem, isso é metáfora.
-
E por que sendo tão fácil se chama uma coisa tão complicada?
-
Porque os nomes não têm nada a ver com a simplicidade ou complicação das
coisas. Segundo a tua teoria, uma coisa pequena que voa não devia ter o nome
tão complicado como mariposa. Pensa que elefante tem o mesmo número de letras,
é muito maior e não voa – conclui Neruda, exausto”.
Mário e Neruda
O filme é italiano (1985) e, apesar de premiado, acredito não ser tão difundido por aqui. Ele conta a história de um homem extremamente simples, mas também assim sensível. Mário Ruoppolo era como uma pedra não lapidada, vivia numa cidade minúscula da Itália, com gente da pesca. Parecia mesmo uma pedra daquelas que ficam no mar. Na cidade acidentada, privilegiada pela geografia com uma vista exuberante para o mar, eram todos muito pobres. Um dia receberam a ilustre visita de um poeta famoso que havia sido exilado do Chile, Pablo Neruda. Esse personagem, que dispensa apresentações, trouxe uma nova vida ao lugar. Os correios só tinham um destinatário: o poeta Neruda, que recebia presentes e cartas do mundo todo, sobretudo de mulheres encantadas com seus poemas de amor. Mário, que não queria pescar, colocou sua bicicleta nas mãos e candidatou-se à vaga de carteiro, viajando ao mesmo destino todos os dias, subindo e descendo aquelas inclinações pedregosas do local, cuja imagem mistura um azul translúcido e cor de terra ocre.
Assim o simplório Mário começa a sua aventura pelo reino das palavras e seu coração ganha asas: Neruda o ajuda a achar palavras para seus sonhos, desejos e angústias. Ainda mais: ele aprende a fazer metáforas!
As metáforas, para mim, nos ajudam a driblar as obstruções da língua. Ela nos permitem estar mais próximos aos nossos sentimentos e pensamentos através da linguagem. E o homem que consegue usar a linguagem a favor do seu coração se torna sempre mais livre! Mário (querido Mário) foi se tornando cada vez mais livre ao ler Neruda e aprender com ele os caminhos que as palavras abrem a nossa frente.
Essa relação de amizade me inspirou a pensar o quanto a distância entre nós, humanos, pode ser medida por sentimentos e palavras. Neruda, poeta e político prestigiadíssimo, prêmio Nobel, culto e letrado, se tornava tão simplório quanto Mário naqueles colóquios à beira do belíssimo mar italiano. E Mário foi Neruda, quando esboçou seus poemas de amor, ou mesmo quando os copiou do poeta chileno. Duas singularidades humanamente sensíveis juntas, apagando os selos sociais em prol da construção de um diálogo a respeito da poesia e da vida.
Aqui vai uma metáfora sem rimas, dedicada ao Mário, carteiro, humano, cheio de desejos, sonhos e inquietudes do espírito, que me encheu de poesia, simplicidade e esperança:
Esse filme é como um poema de Neruda: arrebata o coração e rasga a alma. Assim como uma pedra mediterrânea arrasada pelas batidas do mar azul se despedaça lentamente, ao encontro do oceano.
P.S.: A atuação de Massimo Troisi como Mario Ruoppolo é um espetáculo à parte. Vejam.
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